Foto: Promotor de Justiça visita criança internada em caráter de longa permanência no Hospital de Urgência de Teresina
O Ministério Público do Estado do Piauí, por meio da 29ª Promotoria de Justiça de Teresina, que é especializada na defesa do direito à saúde, está executando um projeto pioneiro no Brasil, em prol de crianças e adolescentes hospitalizados em caráter de longa permanência.
O “Reconstruindo laços na saúde” recebeu esse nome porque seu objetivo final é viabilizar que essas crianças e adolescentes internados por longos períodos, em razão de doenças graves e crônicas, recebam cuidados adequados em ambientes mais acolhedores, seja por meio da estruturação do lar, com retorno ao convívio familiar, seja com a transferência para unidades de saúde em suas cidades de origem.

As atividades tiveram início em 2018, quando uma mãe natural de Elesbão Veloso procurou o Ministério Público e a Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi) para falar sobre a situação delicada de sua família. A filha dela já estava internada há quatro anos e oito meses no Hospital de Urgência de Teresina, o que causava seu afastamento do filho mais velho, de apenas nove anos.
Em carta endereçada ao promotor Eny Pontes, titular da 29ª PJ de Teresina, e ao então superintendente de média e alta complexidade da Sesapi, Telmo Mesquita, ela relatou:
“Estamos aguardando transferência para o hospital estadual de Elesbão Veloso. Tenho um outro filho que está praticamente abandonado, pois tenho que acompanhar minha filha. (…) Ele tem 9 anos, às vezes manda vídeo para mim com música falando da falta da mãe. Ele quer morar comigo, porém nessa situação que me encontro não tenho como ficar com ele. Se eu conseguir transferir minha filha para o hospital de Elesbão Veloso, tudo ficará mais fácil. (…) Até o momento me encontro no HUT e só me dão promessas de transferência, alimentando minha expectativa e me deixando cada vez mais angustiada, pois, quando eu penso no meu filho, meu primogênito, vejo que cada dia perco mais meu filho e isso me deixa despedaçada quando penso que tenho que sacrificar o amor de um filho. Tudo isso se resolveria com minha transferência para Elesbão Veloso, eu poderia ficar mais perto dos dois bens mais preciosos que tenho, meu filho e minha filha.”
[trecho alterado para preservação dos nomes das crianças mencionadas].
O caso chamou a atenção do Ministério Público para a realidade das famílias de crianças internadas em caráter de longa permanência. “Esse tipo de hospitalização duradoura tem vários impactos: para a criança ou adolescente internado, porque os deixa afastados do ambiente familiar; para a própria família, uma vez que na maioria dos casos um único cuidador precisa abdicar de diversas atividades para permanecer na unidade de saúde, o que provoca a desestruturação do lar e dos laços; e para o sistema de saúde, já que a ocupação permanente de leitos dificulta a prestação de atendimento a outras crianças e adolescentes que precisam das UTIs e enfermarias”, explica Eny Pontes.
Desde então, a 29ª PJ de Teresina monitora as crianças e adolescentes com doenças crônicas e longa permanência nas unidades de saúde. Foi documentado o caso de uma mãe que já estava dormindo há anos em uma cadeira, por acompanhar o filho internado.
O promotor de Justiça Eny Pontes conduziu diversas inspeções no Hospital Infantil e no Hospital de Urgência de Teresina para acompanhar a situação de crianças internadas em caráter de longa permanência
O promotor de Justiça destaca que a desospitalização e a transferência são procedimentos a serem realizados com a priorização da segurança do paciente, e, portanto, com observação a todas as orientações médicas. Diante disso, foram efetivadas parcerias interinstitucionais para estruturação de unidades de saúde pelo Piauí, para adequado acolhimento das crianças em diversas cidades. O Ministério Público mobilizou a Sesapi, a Associação Piauiense de Municípios, a Fundação Municipal de Saúde de Teresina e os conselhos de classe das categorias profissionais da saúde. Foram ainda tomadas providências para reforma do Hospital Infantil Lucídio Portela (HILP), a exemplo da realização de inspeções e audiências, mais a proposição de ação civil pública.


Hospital Infantil Lucídio Portela, antes de reforma objeto de ação do MPPI 


Hospital Infantil após reforma 
Assim, o projeto “Reconstruindo laços na saúde” promoveu, além de melhorias no HILP, reformas e adequações no Hospital Regional de Piripiri, no Hospital Regional de São Raimundo Nonato, no Hospital de Elesbão Veloso e no Hospital de União, que passaram por adaptações para recebimento de crianças. No HILP, foi instalada uma unidade própria e, no HUT, uma enfermaria própria.
Os trabalhos do Ministério Público nesse sentido já resultaram na desospitalização e na transferência de 14 crianças e adolescentes, que estão recebendo um tratamento mais digno, em suas residências ou mais próximos delas. Foram ainda disponibilizados 18 leitos de UTI: a taxa de ocupação baixou de 98%, em 2018, para 63%, em 2022.
Clenilda dos Santos Sousa, mãe de uma menina de seis anos diagnosticada com amiotrofia muscular espinhal progressiva tipo 1 (AME), e transferida há dois anos para Piripiri após realização de reforma no hospital, fala sobre a importância da atuação do Ministério Público para a qualidade de vida da sua filha e da família.
“A vinda da minha filha para Piripiri era um sonho, e hoje é realidade. No começo, tivemos algumas respostas negativas. Procuramos a direção do hospital, e nos foi informado que a unidade não tinha estrutura para receber uma criança com o quadro dela. Com essa resposta, fomos até o Ministério Público. O promotor Eny Pontes nos fez uma visita no HUT, viu nossa situação e se manteve forte no processo. Hoje eu vejo o quanto isso foi bom para ela e para nós, e eu sou muito grata pela oportunidade de mostrar para minha filha o amor. Lá em Teresina, era uma distância muito grande, não tinha como a gente deslocar os familiares, era muito difícil. Com a vinda dela para Piripiri, a gente tá conseguindo que a família se faça mais presente na vida dela, e eu só tenho a agradecer”, declara Clenilda.

Outra beneficiada com a atuação do Ministério Público foi uma bebê com osteogenese imperfeita, popularmente conhecida como “doença dos osssos de vidro”. A criança estava internada há 20 meses na unidade de terapia intensiva (UTI) da Maternidade Dona Evangelina Rosa. Através do Serviço de Atenção Domiciliar do município de Francinópolis, a família pôde levar a bebê para casa, com tratamento domiciliar. Foto e informações: Sesapi
O promotor de Justiça ressalta que o projeto é direcionado principalmente para reagregação dessas famílias e para prestação de cuidados humanizados às crianças e adolescentes.“Nosso intuito é realmente o de reconstruir laços, porque a prioridade são as crianças, os adolescentes e suas famílias. Nesse caminho, produzimos outros resultados positivos, como a estruturação de unidades de saúde e o aumento do número de leitos. O projeto tem muitas frentes, sendo que a principal delas é a atuação conjunta para que os pacientes recebam um tratamento humanizado e de qualidade. Assim, podemos efetivamente transformar a realidade de muitas famílias vulneráveis que devem ter assegurado seu direito a uma existência digna”, finaliza o promotor de Justiça Eny Pontes.

O projeto “Reconstruindo laços na saúde” foi tema da primeira edição do podcast “Projete suas ideias”, lançado no dia 01 de junho pela Assessoria de Planejamento e Gestão do MPPI. A promotora de Justiça Denise Aguiar (na foto, à esquerda), da APG, entrevistou Eny Pontes. Clique no play e confira!





