A Desembargadora Federal, Dra. Selene Maria de Almeida, em 12/03/08, manteve a decisão que suspendeu a autorização de manejo florestal concedida à J. B. Carbon, para a execução do Projeto Energia Verde, na Serra Vermelha, que ocupa uma área de 114.755 ha. Segundo a Desembargadora o Projeto não constitui Plano de Manejo Florestal Sustentável porque “adota o sistema de exploração de talha rasa com corte de 100% da produção florestal, não havendo corte seletivo da vegetação”. Afirma ainda a necessidade de aplicar com maior rigor o Princípio da Precaução pois não existe “estudo técnico científico ou experiência anterior de desmatamento em grande escala para tipologia vegetal específica da região”. Além disso encontra-se na região espécies totalmente endêmicas da caatinga bem como há “tendência à desertificação devido à fragilidade dos solos da região”. (Ag. 2007.01.00.059260-7/PI)

Processo: AG 2007.01.00.059260-7/PI; AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA Órgão Julgador: QUINTA TURMA Publicação: 28/03/2008 e-DJF1 p.319 Data da Decisão: 12/03/2008 Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo. Ementa: AMBIENTAL. AUTORIZAÇÃO DO IBAMA PARA DESMATAMENTO PARA PRODUÇÃO DE CARVÃO NA ÚLTIMA GRANDE FLORESTA DO SEMI-ÁRIDO NORDESTINO BRASILEIRO. ENCRAVE FLORESTAL PROTEGIDO POR LEI. AUMENTO DA DESERTIFICAÇÃO NO SUL DO PIAUÍ . PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO – RIO/92. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA). RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL (RIMA). INSTRUMENTO DE POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE. LEI Nº 6.938/81. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que suspendeu a autorização de manejo florestal concedida à agravante até a realização de estudo prévio de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental relativo ao projeto “Energia Verde” que ocupa uma área total de 114.755 (cento e catorze mil, setecentos e cinqüenta e cinco) hectares da região da Serra Vermelha, abrangendo parte dos municípios de Redenção do Gurguéia e Morro Cabeça no Tempo, no sul do Estado do Piauí. 2. Metade da área do referido projeto é recoberta por floresta estacional decidual, tipo de vegetação que integra as formações florestais cuja utilização e proteção está amparada pelo pela Lei nº 11.428/2006, pelo Decreto nº 750/93 e pela Resolução CONAMA nº 26/94. A leitura da legislação atinente à espécie não deixa margem de dúvidas sobre o nível de proteção que a floresta estacional decidual merece e a necessidade de realização de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) para o empreendimento. 3. A mata atlântica é definida pela Constituição em seu art. 225, § 4º, como patrimônio nacional. O Decreto nº 750/93, as Resoluções CONAMA nº 26/94, 278/2001 e 317/2002 atribuem à mata atlântica um caráter de intocabilidade, não admitindo a autorização para o corte raso de vegetação nativa primária ou nos estágios médio e avançado de regeneração e, tampouco, a exploração ou corte de espécies nativas ameaçadas de extinção. A novel Lei n. 11.428/2006 manteve a proibição e ampliou as restrições para exploração, corte ou supressão de vegetação nativa primária ou nos estágios médio e avançado de regeneração da mata atlântica. 4. Segundo mapa da vegetação do Brasil do IBGE (2004), no polígono do projeto Energia Verde, em Serra Vermelha, cerca de 50% da área é recoberta por floresta estacional decidual, 46% de floresta montana e 4% de floresta estacional sub-montana. 5. A Serra Vermelha é a última floresta no semi-árido nordestino brasileiro e serve de divisor de águas das bacias hidrográficas dos rios Paraíba e São Francisco e atua como aqüíferos e manancial das nascentes dos rios Parai, Gurguéia, Piauí e riachos temporários do rio São Francisco. Sobre a serra desenvolve-se uma das mais extensas áreas florestais do Nordeste e, portanto, é uma das áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade da região. 6. Nos termos do Decreto 750/93, vigente à época da autorização para o desmatamento, considera-se mata atlântica a floresta estacional decidual, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste (art. 3º). O IBAMA não aplicou o Decreto 750/93, Res. CONAMA 26/94, 278/01 e 317/02 que não admitem atividades de desmatamento ou corte raso de vegetação primária ou em estágio médio e avançado de regeneração em encraves de floresta no Nordeste. 7. O Projeto Energia Verde não constitui Plano de Manejo Florestal Sustentável porque: a) adota o sistema de exploração de talha rasa com corte de 100% da produção florestal, não havendo corte seletivo da vegetação; b) não existe qualquer estudo técnico científico ou experiência anterior de desmatamento em grande escala para a tipologia vegetal específica da região; c) a existência de espécies totalmente endêmicas da caatinga e a tendência à desertificação devido à fragilidade dos solos da região. 8. Diante do risco ou da probabilidade de dano à natureza, e não apenas na hipótese de certeza, o dano deve ser prevenido. Trata-se do princípio da precaução, fruto do aperfeiçoamento dos convênios internacionais celebrados no final da década de 80 e objeto da Declaração do Rio (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio/92). 9. Ao aplicar o princípio da precaução, “os governos encarregam-se de organizar a repartição da carga dos riscos tecnológicos, tanto no espaço como no tempo. Numa sociedade moderna, o Estado será julgado pela sua capacidade de gerir os riscos.” (François Ewald e Kessler in “Lês noces du risque et de la politique” apud Paulo Affonso Leme Machado, in Direito Ambiental Brasileiro). 10. O estudo de impacto ambiental (EIA) é um dos instrumentos da política nacional do meio ambiente, previsto no já transcrito inciso III do art. 9º da Lei nº 6.938/81. Compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a própria redação do RIMA. 11. A Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe em seu artigo 10, caput, que a implantação de empreendimentos que envolvam a utilização de recursos naturais e que possam causar, de qualquer forma, a degradação do meio ambiente, dependerá de prévio licenciamento do órgão estadual competente e do IBAMA, em caráter supletivo. Entretanto, reserva a competência da autarquia federal quando se tratar de licenciamento de obras que envolvam significativo impacto ambiental, de âmbito regional ou nacional. 12. A floresta de Serra Vermelha fica a uma distância de 50 km do núcleo de desertificação no sul do Piauí e a destruição da vegetação contribuirá para o processo de degradação ambiental já instalado. O cerrado brasileiro, de forma geral, merece tratamento especial por parte não somente dos agentes públicos, como também dos particulares, com vistas à manutenção desse rico ecossistema. Segundo dados fornecidos em julho de 2004, imagens captadas por satélites apontam que 57% (cinqüenta e sete por cento) do cerrado brasileiro já foram destruídos. Especificamente no Estado do Piauí, os cerrados estão ameaçados de desertificação. A destruição da última floresta do semi-árido nordestino brasileiro, que dista 80 km do cerrado, será mais um elemento no processo de esterilização do solo. 13. Ainda que seja preservada a atividade econômica da empresa, há que se fazê-lo dentro de parâmetros ambientais razoáveis. Ou seja, o princípio da precaução recomenda que não seja admitida a exploração de madeiras nesse importante ecossistema, sem prévio EIA/RIMA que tenha analisado todos os riscos ambientais envolvidos na atividade. Não se afigura jurídico nem moralmente aceitável que, sob o fundamento de que a população é pobre, se possa sem justificativa real destruir o que resta de mata virgem no Estado. 14. O desmatamento indiscriminado do cerrado piauiense sob o argumento de que as empresas criam empregos não é aceitável, pois pode haver atividade economicamente sustentável desde que as empresas estejam dispostas a diminuírem seus lucros, utilizando-se de matrizes energéticas que não signifiquem a política de terra arrasada. 15. Em sede de matéria ambiental, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um ponto no qual não há mais volta, tornando-se irreversível o dano. 16. Agravo de Instrumento improvido.