O Tribunal Regional Federal da 1a. Região anulou a sentença que homologou o Termo de Ajuste de Conduta efetivado pelas partes na AC n.2003.40.00.005451-0/PI, determinando a suspensão da utilização da lenha pela empresa Bunge Alimentos S/A – Uruçuí, como matriz energética. O processo retornará à vara de origem para a realização de perícia com o escopo de aferir o dano ambiental.

Processo: AC 2003.40.00.005451-0/PI; APELAÇÃO CIVEL Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA Órgão Julgador: QUINTA TURMA Publicação: 28/03/2008 e-DJF1 p.288 Data da Decisão: 05/03/2008 Decisão: A Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação. Ementa: AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPUGNAÇÃO DE LICENÇA AMBIENTAL. REALIZAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO DO TAC SEM A ANUÊNCIA DA LITISCONSORTE. RECURSO AVIADO POR LITISCONSORTE ATIVO. VEGETAÇÃO DO CERRADO AMEAÇADA DE DESERTIFICAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇAÕ. DESCONSTITUIÇÃO DO TAC. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Ação civil pública ajuizada com o objetivo de sustar a implantação de unidade da empresa “Bunge Alimentos S/A” no Município de Uruçuí, no Estado do Piauí, destinada à recepção e processamento de grãos, fato que poderia causar a devastação do cerrado da região, bem como em razão do contrato de fornecimento de madeiras e plantio de novas áreas realizado entre a referida empresa e a empresa “Mineração Graúna Ltda.”. Os Estudos de Impactos Ambientais – EIA apresentados pelas empresas teriam deixado de contemplar, de forma científica, vários pontos do projeto de instalação e funcionamento da unidade fabril, mas, mesmo assim, haviam sido concedidas as respectivas licenças ambientais. 2. A apelante ingressou no feito a partir da primeira audiência de conciliação e sua posição processual é a de litisconsorte ativa, a teor do disposto no art. 5, § 2º da Lei. 7.347/85. Na lição de Hugo Nigro Mazzilli: “Por absurdo, caso se recusasse a possibilidade de litisconsórcio ulterior, bastaria que qualquer outro co-legitimado propusesse em separado uma nova ação civil pública ou coletiva, com pedido mais abrangente ou ao menos conexo com o da ação anterior, e isso provocaria a reunião de processos, e então ambos os co-legitimados acabariam sendo tratados com litisconsortes.” (in “A defesa dos interesses difusos em juízo”, 20ª Edição, 2007, Ed. Saraiva, São Paulo, pág. 319/320). 3. A FUNÁGUAS poderia ter ajuizado ação autônoma sem necessitar da anuência do MPF. Nesse contexto, deveria ter sido reconhecida sua legitimidade para discordar dos termos do TAC, impedindo a respectiva homologação sem a necessária anuência da FUNÁGUAS, na condição de litisconsorte ativa. 4. Certamente a retirada da vegetação original da área para o plantio de eucalipto vem afetando a fauna e a flora do cerrado piauiense, causando extensos impactos ambientais. Considerando o perigo de irreversibilidade do potencial dano ambiental, não se vislumbra razoabilidade na manutenção das atividades realizadas pela Bunge Alimentos S/A na unidade receptora de Uruçuí/PI enquanto utilizar como matriz energética a lenha extraída do cerrado daquele Estado. 5. Imagens captadas por satélites apontam que 57% (cinqüenta e sete por cento) do cerrado brasileiro já foram destruídos. O cerrado pátrio, de forma geral, merece tratamento especial por parte não somente dos agentes públicos, como também dos particulares, com vistas à manutenção desse rico ecossistema, que, especificamente no Estado do Piauí, está ameaçado de desertificação. 6. Incide, na espécie, o princípio da precaução, princípio de Direito Internacional que deve reger as decisões administrativas e judiciais em questões que envolvam o meio ambiente, notadamente a exploração de espécies florestais, a qual influenciará também a fauna que habita aquela região. 7. Foram apresentadas pelo próprio Ministério Público Federal fontes alternativas de matrizes energéticas menos danosas que o desmatamento do pouco que restou do cerrado do Piauí. O gás liquefeito de petróleo (GLP) é uma alternativa mencionada para alimentar as caldeiras da Bunge Alimentos S/A, assim como o coque verde de petróleo (petrocoque). 8. A Bunge Alimentos S/A não pode furtar-se de considerar outras matrizes energéticas que lhe são apresentadas pelo simples fato de serem um pouco mais onerosas. Não é possível obter maiores lucros à custa da destruição do que sobrou do cerrado do Piauí. Também não vale explorar o tema da miserabilidade da região e a necessidade de criação de empregos para justificar lucros maiores em detrimento do meio ambiente piauiense. 9. O desmatamento indiscriminado do cerrado piauiense sob o argumento de que as empresas criam empregos não é aceitável, pois pode haver atividade economicamente sustentável desde que as empresas estejam dispostas a diminuírem seus lucros, utilizando-se de matrizes energéticas que não signifiquem a política de terra arrasada. 10. Em sede de matéria ambiental, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um ponto no qual não há mais volta, tornando-se irreversível o dano. 11. A sentença prolatada deve ser anulada, desconstituindo-se o Termo de Ajustamento de Conduta efetivado pelas partes à revelia da apelante e determinando a suspensão na utilização de lenha pela empresa Bunge Alimentos S/A, unidade de Uruçuí, como matriz energética. O processo deverá retornar à vara de origem para que se dê continuidade ao processamento do feito, inclusive com a realização de perícia sobre os danos ambientais e prolação de sentença de mérito. 12. Apelação provida.