O texto abaixo é de autoria do Promotor de Justiça William Luz, que atualmente responde pelas Promotorias de Avelino Lopes e Curimatá.

O CARVÃO: UMA ODE AO NOSSO ATRASO.
Por William Luz, Promotor de Justiça do Estado do Piauí.

Um dos aspectos mais importantes acerca da Revolução Industrial diz respeito à matriz energética. No século XVIII, a Inglaterra deu início a esse processo de mudança na forma de produção, trazendo consequências para a forma como vivemos, sentimos, pensamos. A primeira matriz, responsável pela primeira fase da Revolução Industrial foi o carvão. Tanto carvão mineral, abundante na Inglaterra e colônias, quanto carvão vegetal, retirados das florestas europeias, destruídas nesse processo. A segunda fase da revolução Industrial foi a decorrente da matriz do petróleo. O petróleo mudou o mundo, sendo a matriz mais importante até hoje. Milhões de vidas se perderam e se perdem para garantir essa matriz. A terceira fase da Revolução Industrial foi inaugurada com a energia nuclear, mais limpa, mais potente, porém, mais perigosa.

A modernidade nos trás a chamada quarta revolução industrial, e o conceito de energia limpa. Fontes de energia com esse aspecto são abundantes: energia eólica, solar, vegetal, são inúmeras. Estamos em evolução, nesse aspecto. O protocolo de Kyoto, assinado em fins do século XX buscam exatamente orientar o mundo acerca dessa mudança de pensamento, acerca da matriz energética. Mas alguns países ainda são reticentes em aceitar essas mudanças, mormente os EUA, que, como potência baseada no petróleo e na energia nuclear recusam-se a cooperar com o resto do mundo, na luta pela redução da emissão de carbono no ar.

O Brasil assinou o protocolo de Kyoto. Mais importante: Lançou duas conferências acerca do Meio Ambiente: a ECORIO 92 e  RIO MAIS 20, em 2012. Entre os vários princípios consagrados, acerca do desenvolvimento sustentável, encontram-se os princípios da PROTEÇÃO INTERGERACIONAL, e da PRECAUÇÃO. O primeiro princípio está intimamente ligado ao segundo. Havendo dúvida acerca da potencialidade de danos ao meio ambiente, para essa ou para as futuras gerações, o dano deve cessar de imediato. Não podemos permitir que as gerações futuras só conheçam a flora e a fauna atual através de documentários.

O desenvolvimento sustentável diz respeito à produção de riquezas e de matrizes energéticas conjugando-se o desenvolvimento com a preservação do meio ambiente. Nesse aspecto, em análise às matrizes energéticas da Primeira, segunda e terceira revoluções industriais, percebe-se que essas matrizes são demasiadamente destrutivas ao meio ambiente natural. A exploração de carvão foi responsável pela destruição de praticamente todas as florestas da Europa. O petróleo levou a duas guerras mundiais e outras tantas igualmente bestiais, nas palavras sábias de Afonso Romano de Santana. A energia nuclear ainda é fonte de conflito e de danos recentes, como as tragédias de CHERNOBIL A e FUKUSHIMA. Por essa razão, a busca por fontes de energia limpas.

Mas ainda há produção de carvão como matriz energética no Brasil, principalmente na região Nordeste e, mais especificamente, no Piauí, conforme várias denúncias de ONGs. Alguns dos empreendimentos estão, inclusive, sob o respaldo dos órgãos ambientais. Quando são liberados, são liberados através de um plano de manejo ambiental. Explico: o plano de manejo é uma forma de exploração parcial de florestas e vegetações. Pelo plano, autoriza-se o corte de algumas árvores e outras não, segundo critérios técnicos. O plano de manejo tem respaldo legal, através do Novo Código Florestal Brasileiro, aprovado após grandes discussões, entre ecologistas, de um lado, e a Confederação Nacional da Agricultura de outro.

Não vou entrar no mérito acerca da validade dos planos de manejos. O melhor caminho é o do meio, como dizia Aristóteles. O ideal é haver a conciliação entre a exploração econômica e produção energética e a preservação ambiental. Mas entro no mérito acerca da produção de carvão, como matriz energética. Quando o Estado, através de seus órgãos, libera projetos de produção de carvão, está assumindo que estamos mais de duzentos anos atrasados, em relação à economia mundial. Em suma, liberar a produção energética de carvão, é ir à contramão da história.

Para se produzir carvão, devem-se derrubar árvores, matar o solo, queimar madeira em fornos, lançar carbonos no ar, e tornar a paisagem morta, sem vida. Por mais competente que seja o plano de manejo, não há como se entender que apenas algumas árvores sejam derrubadas no processo de produção de carvão vegetal. Tratores são usados, motosserras são ligadas, e não há como entender que, para cada árvore a ser derrubada, o técnico ambiental esteja fiscalizando, para saber se esta ou aquela podem ser derrubadas, segundo o plano de manejo.
Mas não podemos pensar apenas em árvores. E a fauna? Tamanduás, tatus, onças pintadas, pássaros silvestres, dentre outros, são espécies raras, que precisam de espaço para viver. Precisam de ar, de silêncio, de respeito por parte do ser humano. Somos predadores mortais. Mas, pelo menos, temos essa consciência. As gerações futuras, mantidas esse nível de destruição do meio ambiente, verão a fauna do cerrado e da caatinga apenas em documentários antigos da National Geografic, e duvidarão quando seus avós lhe disserem já ter visto uma ave voando ar, livres da repressão humana.

Além do mais, o desmatamento indiscriminado das reservas naturais do Sul do Piauí, sejam do Cerrado, para a produção de Soja, seja da caatinga, para a produção de carvão, estão afetando o meio ambiente. Desconheço estudo técnico abrangente, mas, como leigo, acredito que há relação com as mortes da Lagoa de Parnaguá e do Rio Gurgueia, com os desmatamentos indiscriminados. Desmatando-se as serras, as nascentes secam, e os riachos que abastecem os rios, que enchem as lagoas, morrem. É um ciclo de vida. Matando-se um dos elementos, os demais morrem naturalmente. Por isso, minha opinião como cidadão do Gurgueia, como piauiense, e ser humano, acima de tudo, é a de que algo urgente deve ser feito para que as reservas de vida do Cerrado e Caatinga piauienses não morram.

Acerca dos planos de manejo, de acordo com o Código Florestal, não vou negar a sua utilidade. Apenas defendo a sua abrangência. Se há projeto de manejo, que este abranja os aspectos locais e regionais, demonstrando peremptoriamente que o meio ambiente não será afetado de forma irreversível. O plano de manejo, baseado no princípio da PRECAUÇÃO, só é válido se englobar os efeitos que a fauna, a flora e todo o bioma local e regional sofrerão.

Entendo, por fim, que os planos de manejo ambiental não se coadunam com a produção de carvão vegetal. Aliás, nem mesmo o nosso presente se coaduna com essa forma de produção de matriz energética. Ao autorizar a produção de carvão, o Estado está VOLTANDO AO PASSADO E NEGANDO O FUTURO.
A intenção desse artigo, portanto, é fazer pensar: estamos no caminho certo? Cada um pense por si, e dê a resposta a seus netos, quando eles perguntarem se tamanduás e tatus realmente existiram, ou são apenas personagens de uma era impensável, assim como os dinossauros.

 

William Luz, Promotor de Justiça do Estado do Piauí.