A 5ª Promotoria de Justiça de Teresina, do Núcleo das Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (Nupevid), interpôs recurso de apelação na última sexta-feira (14), contra sentença relativa ao réu Ferdinand de Jesus da Cunha Freitas Júnior, denunciado pelo Ministério Público em decorrência das práticas dos crimes de ameaça, lesão corporal, cárcere privado, tortura e estupro contra ex-companheira.
Também consta como vítima o filho do casal, na época dos fatos com quatro anos de idade. Em relação à criança, o réu foi denunciado pelos crimes de ameaça, cárcere privado, maus tratos e submissão a vexame e constrangimento. O representante do MPPI pleiteou também o reconhecimento do contexto de violência doméstica, nos termos da Lei Maria da Penha.
A sentença foi proferida no dia 17 de janeiro deste ano, pelo magistrado do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. No total, o réu foi condenado a 13 anos e 15 dias de reclusão e a um ano, dez meses e 19 dias de detenção, sendo um ano, dez meses e 19 dias de detenção por lesão corporal; seis anos, oito meses e 15 dias de reclusão por cárcere privado; e três anos, dois meses e 15 dias de reclusão por tortura, todos crimes praticados contra a mulher. Pelo crime de cárcere privado praticado contra a criança, incidiu a pena de três anos, um mês e quinze dias de reclusão.
Contudo, o juízo considerou que houve prescrição dos crimes de ameaça, maus tratos e submissão de criança ou adolescente a vexame ou constrangimento, e decidiu, ainda, pela insuficiência de elementos para obtenção de certeza quanto ao crime de estupro. Na sentença, o juiz argumenta que o depoimento da vítima não era suficiente para embasar uma condenação e destaca a inexistência de laudo pericial e de relatos de testemunhas.
O caso
Os fatos foram conhecidos pelas autoridades no dia 17 de outubro de 2017, quando aos vizinhos de Ferdinand de Jesus da Cunha Freitas Júnior acionaram a polícia, depois de ouvirem os gritos da então companheira do acusado, no bairro Matinha, em Teresina. Foi constatado que a vítima havia sido espancada. Em depoimento aos policiais, ela revelou que vivia trancada em casa pelo companheiro, durante os mais de três anos de duração da união estável.
Os policiais verificaram que a casa onde o casal morava tinha grades e cadeados em todas as portas e janelas, de modo que as vítimas não tinham acesso à área externa do imóvel ou mesmo exposição à luz solar.
“As vítimas eram mantidas em condições desumanas e degradantes de sobrevivência, as quais foram, ainda, agravadas pelos espancamentos físicos e pela degradação moral sofridas sob condição de cárcere”, frisou o promotor de Justiça Vando da Silva Marques, titular da 5ª PJ de Teresina, nas alegações finais apresentadas antes da sentença.
O representante do MPPI destacou que as provas no processo confirmam que a mulher e a criança foram submetidas a uma rotina de sofrimento e humilhações.
“As restrições eram extremas: a vítima não podia sair para comprar alimentos, visitar seus pais ou sequer olhar para outras pessoas na rua. Quando contrariava o réu, era punida com agressões e impedida de dormir no mesmo espaço que o filho. Além das lesões físicas documentadas nos autos, o sofrimento psicológico foi intenso, o que deixou marcas duradouras tanto na mulher quanto na criança”, informa o promotor de Justiça.
Recurso de apelação
A 5ª Promotoria de Justiça de Teresina obteve a condenação do réu para a maioria dos crimes elencados na denúncia, mas o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Teresina alegou a insuficiência de elementos para reconhecimento inequívoco do delito de estupro. Assim, o promotor de Justiça Vando Marques elaborou um recurso de apelação dirigido ao Tribunal de Justiça.
No recurso, o representante do MPPI destacou que a ausência do relato da vítima na fase inicial do inquérito policial não significa que o crime não ocorreu. “É amplamente reconhecido que vítimas de crimes sexuais, por medo, vergonha ou traumas psicológicos, podem demorar a denunciar ou relatar os fatos com todos os detalhes. Quanto à ausência de laudo pericial, embora este constitua em meio de prova relevante, sua inexistência não impede a comprovação do crime. Nos casos de estupro, a materialidade pode ser demonstrada por outros elementos probatórios, especialmente pelo depoimento da vítima, que, nesse caso, foi firme e consistente”, frisou o promotor de Justiça.
“Não há como exigir-se a realização de exame de corpo de delito para atestar a materialidade dos estupros sofridos pela vítima, isso porque ela foi mantida em cárcere privado ao longo de, aproximadamente, três anos de relacionamento com o acusado, sofrendo todo tipo de abusos e violações à sua dignidade sexual, com constantes práticas sexuais forçadas. Impossível, portanto, haver prova dos vestígios das agressões sexuais sofridas por ela enquanto não fosse interrompido o cárcere privado”, continua Vando Marques.
No recurso ao TJ-PI, além do reconhecimento da prática do crime de estupro pelo réu Ferdinand de Jesus da Cunha Freitas Júnior, o Ministério Público pleiteia a reforma da sentença quanto à dosimetria de penas dos crimes de lesão corporal e tortura, para que a personalidade do réu seja considerada como circunstância desfavorável e influencie no cálculo das penas-base, como fator de aumento.